O ex-comunista, o Saci e o rato.

Ao chamar o Conselho Nacional de Educação (CNE) de “tribunal literário” (“Monteriro Lobato e o tribunal literário”, Folha de São Paulo, 07/11/2010), o ex-comunista Aldo Rebelo demonstra toda a sua hipocrisia, pois é dele justamente uma proposta para criar “comissões específicas com a finalidade de elaborar os respectivos glossários contendo sugestões de termos equivalentes no vernáculo ou resultantes do processo de aportuguesamento” (artigo 5º do Projeto de Lei PL 1676/1999 – “Dispõe sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa e dá outras providências”). Destaque-se que o PL 1676/1999 propunha até multas para quem usasse palavras estrangeiras: multas de 1.300 a 13.000 UFIRs!

O ex-comunista Aldo Rebelo chega ao cúmulo de insinuar que a Bíblia possa ser comparada a um livro didático: “Se o disparate prosperar, nenhuma grande obra será lida por nossos estudantes, a não ser que aguilhoada pela restrição da “nota explicativa” -a começar da Bíblia, com suas numerosas passagens acerca da “submissão da mulher”, e dos livros de José de Alencar, Machado de Assis e Graciliano Ramos; dos de Nelson Rodrigues, nem se fale”.

Já que a Folha de São Paulo e nem o ex-comunista Aldo Rebelo querem debater o “racismo cordial” (ou nem tanto cordial) que vigora no Brasil, pelo menos deveriam ser honestos e esclarecer a todos, principalmente aos leitores da Folha, os milionários interesses que estão em jogo. O Programa Nacional do Livro Didático distribui anualmente 115 milhões de unidades e custa por volta R$ 900 milhões. Esse valor representa 2% do orçamento do MEC. Até mesmo o Grupo Folha tem ligações com editoras. Que tal debater o Programa Nacional do Livro Didático? Por que o dinheiro não pode ser destinado diretamente para as escolas, para que elas mesmas escolham os livros? Será que as escolas públicas não são “de confiança”? E os professores? Eles estão capacitados para intermediarem as leituras? Por que a Folha não falou do parecer CNE/CEB 16/2010 “Denúncia de racismo na Escola Estadual Delmira Ramos dos Santos, localizada no Bairro Coophavilla II, Município de Campo Grande, MS”?

Outro ponto de destaque: já está em curso a disputa política pelo controle do Ministério da Educação. Não dá para ser ingênuo quanto aos ataques gratuitos do ex-comunista Aldo Rebelo ao Conselho Nacional de Educação. Está todo mundo brigando por uma boquinha no poderoso Ministério… Até mesmo a Folha pode ser considera sob suspeição neste tema, pois a gráfica que foi preterida no Enem era ligada ao Grupo Folha.

Quanto ao ex-comunista Aldo Rebelo, empenhado em agradar à bancada ruralista com seu parecer sobre o Novo Código Florestal, destacamos que sua maior contribuição à “cultura brasileira” foi apresentar o projeto de lei PL 2762/2003 (Dia do Saci)… Não contente com isso, o ex-comunista aflora o seu fanatismo religioso, propondo um “santo ofício da língua portuguesa” para fiscalizar, controlar, e punir quem ousar falar ou escrever palavras estrangeiras… Aprovada a “nova inquisição portuguesa”, toda vez que usarmos o “mouse” do computador, vamos ter de imaginar “um rato” por culpa e obra do ex-comunista Aldo Rebelo.

S. Paulo, 08/11/2010.
Mauro Alves da Silva
Coordenador do Movimento Comunidade de Olho na Escola Pública
http://MovimentoCOEP.ning.com/

2 Respostas para “O ex-comunista, o Saci e o rato.

  1. Acertou na jugular da “reserva moral da República”. Ela já está sangrando. Por ser impulsivo vai perder um ministério. É o típico “entrou de gaiato no navio”/”Apressado come cru, já dizia minha avô”.

  2. Folha de São Paulo
    São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2010

    TENDÊNCIAS/DEBATES

    Monteiro Lobato no tribunal literário

    ALDO REBELO

    Se o disparate prosperar, nenhuma grande obra será lida por nossos estudantes, a não ser que aguilhoada pela restrição da “nota explicativa”

    O parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) de que o livro “Caçadas de Pedrinho” deve ser proibido nas escolas públicas, ou ao menos estigmatizado com o ferrão do racismo, instala no Brasil um tribunal literário.
    A obra de Monteiro Lobato, publicada em 1933, virou ré por denúncia -é esta a palavra do processo legal-de um cidadão de Brasília, e a Câmara de Educação Básica do Conselho opinou por sua exclusão do Programa Nacional Biblioteca na Escola.
    Na melhor das hipóteses, a editora deverá incluir uma “nota explicativa” nas passagens incriminadas de “preconceitos, estereótipos ou doutrinações”. O Conselho recomenda que entrem no índex “todas as obras literárias que se encontrem em situação semelhante”.
    Se o disparate prosperar, nenhuma grande obra será lida por nossos estudantes, a não ser que aguilhoada pela restrição da “nota explicativa” -a começar da Bíblia, com suas numerosas passagens acerca da “submissão da mulher”, e dos livros de José de Alencar, Machado de Assis e Graciliano Ramos; dos de Nelson Rodrigues, nem se fale. Em todos cintilam trechos politicamente incorretos.
    Incapaz de perceber a camada imaginária que se interpõe entre autor e personagem, o Conselho vê em “Caçadas de Pedrinho” preconceito de cor na passagem em que Tia Nastácia, construída por Lobato como topo da bondade humana e da sabedoria popular, é supostamente discriminada pela desbocada boneca Emília, “torneirinha de asneiras”, nas palavras do próprio autor: “É guerra, e guerra das boas.
    Não vai escapar ninguém -nem Tia Nastácia, que tem carne negra”. Escapou aos censores que, ao final do livro, exatamente no fecho de ouro, Tia Nastácia se adianta e impede Dona Benta de se alojar no carrinho puxado pelo rinoceronte: “Tenha paciência -dizia a boa criatura. Agora chegou minha vez. Negro também é gente, sinhá…”.
    Não seria difícil a um intérprete minimamente atento observar que a personagem projeta a igualdade do ser humano a partir da consciência de sua cor. A maior extravagância literária de Monteiro Lobato foi o Jeca Tatu, pincelado no livro “Urupês”, de 1918, como infamante retrato do brasileiro. Mereceria uma “nota explicativa”?
    Disso encarregou-se, já em 1919, o jurista Rui Barbosa, na plataforma eleitoral “A Questão Social e Política no Brasil”, ao interpretar o Jeca de Lobato, “símbolo de preguiça e fatalismo”, como a visão que a oligarquia tinha do povo, “a síntese da concepção que têm, da nossa nacionalidade, os homens que a exploram”.
    Ou seja, é assim que se faz uma “nota explicativa”: iluminando o texto com estudo, reflexão, debate, confronto de ideias, não com censuras de rodapé.
    O caráter pernicioso dessas iniciativas não se esgota no campo literário. Decorre do erro do multiculturalismo, que reivindica a intervenção do Estado para autonomizar culturas, como se fossem minorias oprimidas em pé de guerra com a sociedade nacional.
    Não tem sequer a graça da originalidade, pois é imitação servil dos Estados Unidos, país por séculos institucionalmente racista que hoje procura maquiar sua bipolaridade étnica com ações ditas afirmativas.
    A distorção vem de lá, onde a obra de Mark Twain, abolicionista e anti-imperialista, é vítima dessas revisões ditas politicamente corretas. País mestiço por excelência, o Brasil dispensa a patacoada a que recorrem os que renunciam às lutas transformadoras da sociedade para tomar atalhos retóricos.
    Com conselheiros desse nível, não admira que a educação esteja em situação tão difícil. Ressalvado o heroísmo dos professores, a escola pública se degrada e corre o risco de se tornar uma fonte de obscurantismo sob a orientação desses “guardiões” da cultura.
    ALDO REBELO, 54, jornalista, é deputado federal pelo PC do B de São Paulo.
    E-mail: dep.aldorebelo@camara.gov.br

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